sexta-feira, 15 de junho de 2012

O Centenário Pornográfico

Me lembro da primeira vez que tive contato com uma obra de Nelson Rodrigues. Tinha entre 18 e 19 anos (me recordo de um primeiro contato com esta idade), que não sei se foi tardio ou não, porém sei que foi marcante. Ainda trabalhava na escola onde havia me formado, e numa hora ociosa de almoço, resolvi visitar o acervo da biblioteca que estava todo bagunçado, dentro de uma sala de aula, por conta da mudança que estavam fazendo. E lá estavam todos os livros, bagunçados, fora de ordem, misturados com livros de literatura, história, matemática, etc. quando procurando algo para ler num curto prazo de 30 minutos, uma capa me chama muito a atenção.
Um homem com seu cigarro, numa obra chamada "Vestido de Noiva", e pensei: "Gostei! Vou ler até meu tempo de intervalo acabar." e foi quando sentei-me numa cadeira e comecei a folhear o início do livro, lendo com toda minha vontade. Quando meu intervalo chegou ao fim, não era possível deixar aquele livro onde estava e voltar ao trabalho, senti que precisava levá-lo para casa para consumi-lo até o final, e assim o fiz.
A linguagem do livro tomou minha atenção do início ao fim, quando o autor falava de conflitos familiares, casamentos infiéis e bordéis, fazendo minha imaginação se sentir livre o suficiente para viajar com ele. Nada de pudores, e tudo na realidade, como a vida necessita ser. Sempre gostei de autores assim.
E foi com esta forma de escrever que pensei: "Gostei desse "cara"!". Foi o início de um romance.

Sempre gostei de livros, desde menina. Claro que a frequência aumentou durante o passar dos anos, mas era incrível o quanto um autor conseguia me conquistar ou não na primeira vez. Acho que até hoje sou assim: ou gosto de primeira, ou não mudo de opinião assim tão fácil. Nelson foi vitorioso na primeira impressão, e ganhou assim, mais uma admiradora!
Gosto de escritores que são suficientes, que acreditam naquilo que sentem, e que o fazem sem o menor problema.

Eis que anos depois, fui até uma peça chamada "As Noivas de Nelson", adaptação da obra "A vida como ela é...". Sozinha no auditório, me deliciava com todas as noivas de Nelson, e com todas as estórias que fazia cada um se identificar. No meio de tantas estórias, algumas citações de Nelson (narradas por ele mesmo) eram reproduzidas no teatro enquanto o cenário era transformado, e foi quando mais uma vez, Nelson me falou particularmente, quando citou um trecho de "Sexo é para vira-latas", e senti mais uma vez, que estava ouvindo alguém muito agradável me falar.

Cena da peça "As Noivas de Nelson" da obra "A vida como ela é..."

Neste ano, não apenas de nosso querido Drummond (outro com o qual partilhei de emoções quando li), se comemora o centenário de Nelson Rodrigues. Uma biografia de sua vida já foi intitulada de "O Anjo Pornográfico" (1992), já foi classificado como o autor que escrevia de amor e morte, das tragédias cariocas, de obras psicológicas e mais... Eu diria que ele escreveu aquilo que desejava escrever. Foi claro, sincero, sem pudor e sem censura. Foi o escritor que me permitiu olhar um outro tipo de literatura, talvez. Algo mais sujo e ao mesmo tempo verdadeiro. Diria que ele foi brilhante o suficiente pra chegar até as pessoas usando-se da realidade, e não do delírio.

Em comemoração ao seu centenário, um especial no site "Educar para Crescer" foi produzido, onde vários escritores vão falar das obras e da vida de Nelson, aproximando pessoas que já têm, ou ainda não, contato com este escritor. Citações foram feitas e até um teste desenvolvido como uma brincadeira para ver o quanto você sabe sobre Nelson.


Num ano lindo, onde se comemora o centenário de dois grandes escritores, venho até aqui para compartilhar um meio de contato com este dramaturgo que me encantou, sem pretensão nenhuma, quando o li pela primeira vez. Foi algo do qual nunca me esquecerei. Sei também que outros também sentiram o mesmo, e muitos ainda irão sentir. É como se um estranho desconhecido lhe falasse pessoalmente desde a primeira frase, até o último parágrafo de sua obra, como se já conhecesse tudo aquilo que há guardado dentro de você! Ler obras assim é entrar em contato com você de uma maneira extremamente turbulenta e reveladora, é algo que te faz sentir descoberta por si mesma, quando as noivas, as prostitutas e todas as mulheres falam por você. É se identificar através de alguém que parece que você já conhece desde que nasceu. É ouvir o que não se quer ouvir, ler o que não se quer ler e desejar aquilo que sempre se desejou.
Uma ambivalência extremamente deliciosa!

Abç... Patrícia.
PS: Finalizo a postagem com o trecho de "Sexo é para vira-latas" acima citado.

"(...) No dia em que o sujeito perder a infinita complexidade do amor, cairá automaticamente de quatro, para sempre. Sexo como tal, e estritamente sexo, vale para os gatos de telhado e os vira-latas de portão. Ao passo que no homem o sexo é amor. Envergonha-me estar repetindo o óbvio. O homem começou a própria desumanização quando separou o sexo do amor. (...) São as vítimas do sexo sem amor. Tão simples enxergar o óbvio ululante. Devia ser não educação sexual, mas educação para o amor, simplesmente para o amor. E o homem talvez aprendesse a amar eternamente." (Nelson Rodrigues).

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Poemas inéditos de Drummond

Cá estou novamente, depois de meses...
Mesmo o sono terrível e as atualizações longas que precisei fazer no blog, não podia dormir sem compartilhar um dos poemas de Drummond que será lançado ainda em junho no livro "Os 25 Poemas da Triste Alegria".
Tive contato com 6 dos poemas inéditos através da revista BRAVO! que trouxe esta reportagem como tema na edição de junho.
Reproduzirei um dos poemas exatamente como foi escrito, em 1924, de um Drummond ainda jovem, com 22 anos de idade.

E como é bom retornar, pelo chamado de Drummond!

Gravado Numa Parede

Saber que tu não virás nunca encher de rosas o meu quarto,
encher de belleza a minha vida...
e continuar á espera de tua graça dolente e sobrenatural,
continuar á espera, de mãos vazias...

Saber que não partirás o meu pão, que não beberemos juntos,
ao jantar, um pouco d'aquelle amavel e grato vinho velho,
que não accenderás a minha lampada,
que o piano não possuirá os teus dedos...

Saber tudo isso, o impossivel e o irremediavel
de tudo isso... e continuar sonhando inultimente.
Ah! Por que não virás encher de rosas o meu quarto?
Ao menos,
vem encher-me de lagrimas os olhos.

Carlos Drummond de Andrade

Abç... Patrícia.