Nesse final de semana, li uma coluna no Jornal de Piracicaba e assisti a um filme os quais me fizeram pensar muito nas prisões que estão presentes em nossas vidas.
Infelizmente, não me lembro do título da coluna (fato corriqueiro nas últimas semanas esse meu esquecimento), mas foi escrito por um psicanalista, que contava a história de dois amigos soldados conversando sobre suas mulheres durante a guerra. Um deles era completamente aprisionado por seu ciúmes, e abandonou sua mulher quando desconfiou que estava sendo traído, sem ao menos lhe dar a chance de uma explicação.
Os fantasmas e fantasias que o aprisionavam foram mais fortes que a comunicação e o enfrentamento da realidade, fazendo-o se antecipar numa decisão bem mais dolorosa do que esse enfrentamento.
Após a leitura dessa coluna, onde estava com a equipe de meu trabalho, discutimos o quanto nos aprisionamos em ideais e esteriótipos que não correspondem com o real e que nos trazem grande sofrimento.
No dia seguinte, procurei um filme para assistir. Escolhi um filme clássico que ainda não conhecia, o famoso "Bonequinha de Luxo" (com Audrey Hepburn de 1961).
No início, confesso que achei o enrendo um tanto quanto vago e quase desisti, procurando um filme o qual condizia com meu humor naquele dia (tenho o costume de escolher os filmes conforme meu humor), e então, o cinema e a ocasionalidade não me decepcionaram!
Depois de conhecer a história de uma jovem garota de programa que abandona a vida caipira para ganhar dinheiro em Nova Iorque e que nega seus sentimentos para não perder de vista seu sonho de mundo capitalista, o final me fez entender porque (in)voluntariamente havia escolhido aquele filme para assistir.
Holly (Audrey Hepburn) se apaixona por seu vizinho (Paul - George Peppard), mas ao mesmo tempo que essa paixão é visível, ela não é declarada.
Paul é bonito mas não é rico, sendo assim, não poderá lhe oferecer os luxos que deseja. Mas o rapaz se entrega, se declara e se dispõe a fazer o que for necessário para ficar com ela. Infelizmente isso é pouco para Holly.
O desejo de ser bem quista, abusar do consumismo e ser reconhecida como esposa de um homem rico falam mais alto, e então o possível romance do gracioso casal está por um triz.
Paul, percebendo toda a essência de Holly (como já escrevi na postagem "Sua essência é seu perfume") e sua resistência, continua na luta para conquistar a bonequinha.
Eis que, ao final do filme, sutilmente (ou não tão sutilmente assim), Paul fala das prisões que cercam a vida de Holly (as "jaulas"), que impedem-na de viver com quem deseja e de experimentar relações que ultrapassam suas necessidades materiais, profissionais ou de ego. E faz com que reflita sobre o que realmente deseja naquele momento.
A Psicanálise e as "prisões"
Puxando um pouco para a Psicanálise, Freud teorizou em 1920 no texto "Além do Princípio do Prazer" duas constituições de ego que fazem parte do nosso eu: o "ego ideal" e o "ego real". Estes conceitos dizem, a grosso modo, o seguinte: o ego ideal é aquele que nos preenche de coisas que achamos ideais para nossa vida (usando o exemplo do filme, onde Holly achava que o ideal era ter um bom status e dinheiro), mas que não condiz com a realidade posta; e o ego real, que é a constituição de um "eu" que se baseia a partir daquilo que se existe de real em nossa vida, ou seja, ele usará aquilo que "tem" e o transformará em novas experiências e vivências (assim como Paul, que tinha consciência de sua condição e de seus sentimentos, mas que não o impossibilitaram de buscar o que desejava).
Sendo assim, Paul, inserido naquela realidade que viviam e consciente de todas as dificuldades e do verdadeiro desejo de Holly (que também era estar com ele), mostrou o quanto ela estava se aprisionando pelas correntes construídas por seu ego ideal.
E foi aí, na última cena do filme (que trago ao final dessa postagem mas que não exclui a possibilidade de conhecer todo o longa) quando percebi o quanto esse assunto se mostrou latente e necessário para os últimos dias que passaram em minha semana.
O ser humano e suas "prisões"
Quando falamos de prisões e de ideais que construímos em nossa vida, estamos falando de todos os sujeitos, pois dificilmente existe alguém que não sofra com suas convicções e desejos os quais se mostram incompatíveis com a realidade posta. Porém, podemos falar também sobre um conhecimento e aceitação da realidade (que pode ser vivido por qualquer ser humano) que ameniza e liberta o sujeito do sofrimento, o qual é gerado quando conscientiza-se de que não pode ter ou ser aquilo que deseja.
Estar consciente da realidade que nos cerca, apesar de não parecer, é menos doído do que viver num mundo de fantasias. Ao menos essa dor tem um sentido e nos ensina a viver com aquilo que nos é possível e apresentado. Desta maneira, podemos então pensar o quanto ainda somos "autorizados" a nos libertar de tais prisões.
Refletindo...
Quando terminei de assistir o filme e me lembrei da coluna do jornal, entendi que aquilo estava "me sendo dito" por estar justamente nessa transição.
Deixar cair o véu que embeleza e camufla nossa vida é dolorido, porém isso traz consigo prazeres efetivos os quais nossos ideais não nos proporcionam. Buscar o ideal é viver em função de algo inalcançável, é justificar que o outro (sujeito ou objeto) é sempre melhor do que aquilo que possuímos no presente momento.
Essa experiência dolorida (como qualquer outra experiência) nos ensina o que podemos fazer com o que a vida nos proporciona neste instante. Viver, e não mais fantasiar.
Acho que, para uma boa reflexão, cada um não deveria se perguntar qual sua prisão, mas sim qual a realidade que lhe é apresentada no "agora".
Acredito que só dessa maneira é que talvez consigamos sair das fantasias que nos escravizam, para a vivência de experiências que estão a disposição em nossa vida, sejam elas amargas ou doces, porém experiências REAIS.
Taí, um grande desafio que demanda tempo e coragem, mas que no final, vale muito a pena!
Me sinto feliz por estar nessa transição, mesmo que ainda me perca no caminho.
E para terminar, deliciem-se com o link da parte final do filme: https://www.youtube.com/watch?v=gVOciQo_4bE
Informações sobre o filme "Bonequinha de Luxo"
Título Original: Breakfast at Tiffany's
Ano: 1961
Diretor: Blake Edwards
Gênero: Drama/Comédia
País: Estados Unidos
Duração: 1h 55min
Sinopse: Holly Golightly (Audrey Hepburn) é uma garota de programa nova-iorquina que está decidida a casar-se com um milionário. Perdida entre a inocência, ambição e futilidade, ela toma seus cafés da manhã em frente à famosa joalheria Tiffany`s, na intenção de fugir dos problemas. Seus planos mudam quando conhece Paul Varjak (George Peppard), um jovem escritor bancado pela amante que se torna seu vizinho, com quem se envolve. Apesar do interesse em Paul, Holly reluta em se entregar a um amor que contraria seus objetivos de tornar-se rica.
Assista online: http://reviufilmes.blogspot.com.br/2013/08/bonequinha-de-luxo-filme-online.html
Abç... Patrícia.
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